O processo de envelhecimento é uma das conquistas da sociedade moderna. Aumentamos nossa expectativa de vida nos últimos 100 anos mais do que qualquer momento da história. Papaléo Neto (2006) relata que o processo de envelhecimento e sua conseqüência natural, a velhice, continuam sendo uma das grandes preocupações da humanidade desde o início da civilização. Mas foi no Século XX que se observou grande avanço no campo da ciência do envelhecimento, embora ainda haja uma longa estrada para elucidar os fenômenos do processo de envelhecimento, suas causas e conseqüências.
O Brasil será em 2030 o sexto país com maior número de idosos no mundo. O envelhecimento é um processo irreversível, inerente do ser humano. Sendo considerado um processo normal de qualquer ser vivo. Jacob Filho (2009) cita que o envelhecimento é um processo comum praticamente a todos os seres vivos que, no seu transcorrer, provoca modificações de ordem somática e psíquica que determinam alterações da relação do individuo com o meio que o cerca. Em síntese, o envelhecimento pode ser entendido como um processo de redução da reserva funcional, sem comprometer, na quase totalidade dos mecanismos, a função necessária para as atividades do cotidiano. A existência de uma limitação funcional evidente, mesmo em um nonagenário, deve ser entendida, portanto, como o efeito de um processo fisiopatológico, portanto de uma doença mais do que uma evolução atribuível ao processo natural de envelhecimento.
O Quadro abaixo é bem interessante que demonstra o “ciclo vicioso” que acomete muitos idosos.
Segundo Lisboa (2012) além de declínio físico, com alterações musculosesquelético, nervoso, somatossensorial, visual, vestibular e cardiorrespiratório, o processo de envelhecimento pode ser acompanhado pelo declínio das capacidades cognitivas, dependendo de seus hábitos de vida. Realizar tarefas simultâneas pode ser algo muito difícil para alguns idosos. Atividades como andar e conversar no celular, ou olhar para o sinal (semáforo) e caminhar pode ser uma tarefa quase impossível para alguns idosos. analisando o cotidiano das pessoas, o tempo todo estamos sujeitos a desempenharmos atividade de dupla tarefa (DT), seja no âmbito social, pessoal ou em atividades laborais
O desempenho da DT também é conhecido como “desempenho simultâneo” e envolve a execução de uma tarefa primaria, que é o foco da atenção e uma tarefa secundária executada a mesmo tempo (Teixeira & Alouche, 2007). Em geral as duplas tarefas realizadas no dia a dia são tarefas motoras associadas a tarefas cognitivas. Caso haja um prejuízo do desempenho da tarefa primária na execução da dupla tarefa, implica que não há automatização desta tarefa primária e essa piora no desempenho é denominada conseqüência da atividade dupla. Esse prejuízo na tarefa primária e/ou na tarefa secundária ocorre porque as duas tarefas competem por demandas similares para o seu processamento.
Geralmente, segundo Voos e Col. (2008), a realização da DT é mais difícil que a realização das tarefas isoladamente. Isso ocorre quando há interferência entre as tarefas, ou seja, ambas competem pela mesma classe de recursos de processamento de informação no sistema nervoso central (SNC). Nessa situação, há interação negativa entre tarefas: quanto mais atenção for alocada para a realização de uma tarefa, pior será o desempenho na outra. A demanda atencional reflete o grau de competição entre representações corticais sobrepostas das duas tarefas (hipótese do campo cortical). A eficiência na realização de uma das tarefas pode determinar o grau de interferência com a tarefa concorrente. Uma alteração cognitiva ou motora (ou em ambos), durante uma DT, pode ser um importante indicador do estado funcional em que se encontra o idoso (Amaral, 2012).
Atividades que envolvam exercícios de DT são importantes no processo de envelhecimento saudável. Programas específicos devem fazer parte da rotina de treinamento de idosos. Realizar exercícios com tarefas simultâneas (DT) como exemplo caminhar em linha reta, toda vez que o professor mostrar a bola verde o idoso deve continuar caminhando e olhar para cima e para baixo. Quando o professor mostrar a bola vermelha o idoso continua caminhando e olhar para lado direito e esquerdo (as atividades devem ser pré-acordadas antes de iniciarem os exercícios). Esse exemplo além de trabalhar o equilíbrio dinâmico, trabalha a marcha, cognição e sistema vestibular. O aprimoramento das funções fisiológicas e psicológicas são resultados de um sistema crescente e progressivo do treinamento de exercícios de DT (Amaral, 2012).
O Sistema Nervoso Central (SNC) apresenta diversas características, entre elas a plasticidade, que corresponde à capacidade de o córtex cerebral alterar a organização funcional como resultado da experiência. O estudo deste processo de neuroplasticidade serve de base para o processo de recuperação direcionando o tratamento e auxiliando na escolha da melhor conduta para restabelecer a função perdida (Ribeiro e Christovão, 2012)
Em nossa prática profissional percebemos o ganho dos idosos no quesito funcionalidade, redução de quedas e melhoria cognitiva quando os mesmo são submetidos aos exercícios de dupla tarefa. Esses ganhos são relatados pelo próprios idosos que comentam que melhoram muito em suas atividade diárias, que estão “mais espertos”, perdem menos o equilíbrio e se sentem mais seguros para sair, passear e realizar suas tarefas cotidianas.
Um estudo que orientei realizado por uma aluna do curso de especialização Marina Lisboa (2012) ela concluiu que os benefícios dos exercícios de dupla tarefa ultrapassam as questões cognitivas e de capacidade funcional. A melhoria da autonomia, diminuição de quedas e qualidade de vida foram constatadas ao longo do estudo.
É importante relatar que os exercícios de Dupla Tarefa devem fazer parte de um programa de exercícios físicos para idosos, que devem contar além dos exercícios de DT, exercícios de força muscular (musculação) e exercícios aeróbios.
Abaixo algumas sugestões de exercícios de DT:
• Caminhar em linha reta (distância de 10 metros) olhando para cima e para baixo falando os dias de semana. Voltar caminhando olhando para os lado direito e esquerdo falando os dias da semana de trás para frente (domingo, sábado, sexta-feira e etc).
• Caminhar em linha reta (distância de 10 metros) passando uma moeda de um bolso para o outro. Voltar realizando a mesma tarefa falando os meses do ano.
• Caminhar em linha reta (distância de 10 metros) passando uma bolinha em volta do corpo falando o maior número de frutas que lembrar. Voltar passando a bola em volta do corpo falando o maior número de cores. Estimular o aluno a não repetir as frutas e as cores.
Anderson Amaral
Mestrando em gerontologia, atividade física e saúde
Especialista em geriatria e gerontologia – Unati/UERJ
Especialista em Neurociências e Longevidade – Ipub/UFRJ
Pesquisador do Grupo de Estudos – LABFIT / UFRRJ
Coordenador da CEAFES
Referências Bibliográficas:
Amaral, A. – Os Benefícios das Atividades Físicas para um Envelhecimento Saudável – Ed. Apolo Cursos - Rio de Janeiro, 2012.
JACOB FILHO, W. Fatores Determinantes de um Envelhecimento Saudável – Envelhecimento e Saúde. Boletim Instituto de Saúde, no 47, Abril de 2009, São Paulo, pp. 27 – 32.
LISBÔA, M.M. – Exercícios de Dupla Tarefa e Melhoria da Cognição de Idosos Fisicamente Independentes – Monografia de conclusão de Curso de Especialização em Treinamento Personalizado e Funcional – UNIFOA, 2012
PAPALEO NETO, M. Tratado de Geriatria e Gerontologia. 2. ed. Rio de Janeiro, 2006, pp. 2 – 13.
RIBEIRO, A.P., CHRISTOVÃO, C.F. – Neuroplasticidade: Aprendizado Motor após AVE, Capitulo 2 do livro Reabilitação Motora no AVE, Ed. Rubio, 2012
TEIXEIRA N.B; ALOUCHE S.R. O desempenho da Dupla Tarefa na doença de Parkinson. Revista Brasileira de Fisioterapia, São Carlos, v. 11, n. 2, p. 127-132, mar./abr. 2007.
VOOS, M.C. e Col. Os Componentes Motor e Visual de uma Tarefa-Dupla devem ser Associados ou Isolados durante o Treinamento? Fisioterapia e Pequisa, 2008 15 (1), pp. 33 – 39.