quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Alzheimer, a dor do esquecimento - reportagem/documentário revista Época

A rotina e os desafios de pacientes e cuidadores

Após perder a mulher, o engenheiro civil aposentado Adolpho Chvaicer se abandonou. A solidão e falta de vontade de viver abriram espaço para que os sintomas da doença de Alzheimer, responsável pela degeneração progressiva e morte dos neurônios, invadissem sua rotina sem bater. Seus três filhos, adultos e agora com suas próprias famílias e carreiras para se preocupar, tinham dificuldade em oferecer a atenção e cuidados de que o pai necessitava. Um de seus filhos, o carioca Eduardo Chvaicer, de 48 anos, que mora há quase 20 anos em São Paulo, acompanhava de longe as discussões entre os irmãos e o pai, no Rio de Janeiro, sobre como se adaptar à nova condição.

Eduardo, que trabalhava como executivo em uma indústria farmacêutica, viu na crise vivida em família uma oportunidade de abrir o próprio negócio. "Comecei a me perguntar quem cuidaria de mim se eu fosse diagnosticado com a doença", diz o empresário. Em 2010, ele abriu no Brasil a franquia da rede americana Right at Home, que oferece serviços de cuidadores para idosos com Alzheimer e outras doenças da terceira idade. "Percebi como cuidar de um idoso com Alzheimer é trabalhoso para os familiares e quanto a doença é capaz de afetar o dia a dia do lar."

O conflito vivido pela família de Chvaicer é comum. Existem hoje no mundo cerca de 36 milhões de portadores da doença. No Brasil, estima-se que haja cerca de 1,2 milhão. Os casos de Alzheimer devem ser ainda mais recorrentes no futuro. De acordo com estimativas da organização Alzheimer's Desease International, como consequência do maior envelhecimento da população, o número de idosos com demência saltará de 44 milhões, registrados em 2013, para 135 milhões, em 2050.

O Alzheimer é a demência mais frequente entre os idosos. A velocidade e intensidade da progressão da doença variam em cada caso. Como não há cura (ao menos, até o momento) para o Alzheimer, os portadores e seus familiares estão destinados a conviver diariamente com o esquecimento de lembranças recentes, a repetição de histórias antigas, a perda de funções cognitivas e a crescente dependência para atividades de rotina, como alimentação e higiene. Com o passar do tempo, em casos avançados, o tecido cerebral também entra em degeneração, destruindo outras funções do corpo comandadas pelo cérebro, como a locomoção e a deglutição. De acordo com a presidente da Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), Fernanda Gouveia Paulino, quanto antes se diagnosticar a doença e se iniciar o tratamento, maiores são as chances de se retardar o desenvolvimento dos sintomas. Mas eles não desaparecem.

O pai de Chvaicer continua morando sozinho no Rio de Janeiro, agora sob os cuidados constantes dos profissionais da empresa do filho. Ter um cuidador em casa, optar pela internação em uma clínica especializada ou cuidar do parente sem auxílio de um profissional são caminhos possíveis, que podem funcionar ou não. Não há certo ou errado. "Antes de escolher como cuidar do portador de Alzheimer, os familiares devem avaliar sua disponibilidade de tempo e de recursos financeiros”, diz a presidente da Abraz. "O importante é garantir que o portador se sinta bem acolhido, com acesso a todos os remédios e cuidados necessários ao longo do tratamento."

A dona de casa Maria Petrina, de 76 anos, cuida sozinha de seu marido, Geraldo, de 80, em sua casa no Jardim Egle, na Zona Leste de São Paulo, desde que ele foi diagnosticado com Alzheimer, há cinco anos. Em estágio avançado da doença, Geraldo fala pouco, anda com dificuldade, tem olhar distante e vazio. Mas ainda come e vai ao banheiro sozinho. Sem qualquer ajuda, dona Maria se divide entre os cuidados com o marido e as tarefas do lar. Enquanto nos recebia na poltrona de sua sala, o barulho da panela de pressão interrompia o silêncio das pausas que fazia entre uma pergunta e outra.

À primeira vista não se percebe que a artista plástica aposentada Acrácia Sanchez, de 77 anos, sofre de Alzheimer. Diagnosticada há sete anos, ela é falante, ativa e disposta. Apresenta apenas lapsos de memória. Enquanto o marido, Francisco, trabalha durante o dia, ela tem a companhia de Fabiana Aparecida da Silva, sua cuidadora, na casa onde vive em Jaçanã, na Zona Norte da capital paulista. "Com a convivência, criamos um laço de cumplicidade e parceria. Somos amigas", diz Fabiana. Entre risadas e olhares apaixonados, o casal mostra que é possível encarar a doença de forma leve. Diferentemente da maioria dos portadores do Alzheimer, Acrácia tem consciência de sua doença, mas se diz tranquila. "Não tenho medo. Com todos os cuidados que recebo, me sinto segura e confiante."

No quarto da casa de repouso onde vive no Butantã, Zona Oeste de São Paulo, o aposentado Dawid Cukier coleciona troféus de tênis, porta-retratos e a réplica de um barco de madeira - lembranças de seus hobbies e familiares queridos. Quando foi diagnosticado com Alzheimer, há oito anos, vivia em casa sob cuidados dos familiares e de cuidadores não especializados. A alternativa, que no começo parecia a mais adequada, não funcionou. Com o tempo, Dawid passou a ter dificuldades para comer, andar e se socializar. A família ponderou e decidiu oferecer a Dawid cuidados profissionais 24 horas por dia. Na beira do lago da casa de repouso da Sociedade Beneficente Alemã, seu filho Celso fala sobre a melhora da qualidade de vida do pai desde então. Hoje, além de caminhar, Dawid dança valsa com as funcionárias do local.

As três famílias mostram como é possível conviver com o Alzheimer com força, paciência e alegria. No vídeo abaixo, os principais trechos de nossas conversas.

http://epoca.globo.com/vida/noticia/2014/01/alzheimer-dor-do-besquecimentob.html


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