segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A história da demência sob o olhar de uma voluntária


O amor neste caso se mostrou um poderoso tratamento a favor da demência; doença esta que degenera o cérebro e ainda não tem cura. Para o marido Sr. B. o amor pela esposa transformou-o num exímio e virtuoso cuidador, mesmo com sua esposa não mais o reconhecendo.

A Avoch é a Associação dos Voluntários do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) que presta assistência direta a milhares de pacientes internados e em tratamento ambulatorial nos diversos institutos do complexo Hospital das Clínicas, há mais de 50 anos.

Integrante por 12 anos da AVOCH (Associação das Voluntárias do Hospital das Clínicas), essa cuidadora conheceu a senhora R. que me contou a seguinte história:          

Apaixonada, casou-se com o Sr. B., que aos 27 anos sofreu um acidente, o qual, em sua percepção, “a medicina que cuidava dos olhos não conseguiu salvá-lo da escuridão”. Por muitos anos, essa senhora foi os olhos de seu amado; cuidando e direcionando-o em todas as situações.    
     
Em um dia ensolarado passeando pela Av. Dr. Arnaldo seu esposo guiado por ela perguntou: “Veja, o semáforo está verde?”. Ela ficou em silêncio, pois não se recordava mais o que era um semáforo.  Nesse momento o esposo percebeu que sua amada, sua guia, precisava de ajuda, levando-a ao ambulatório da Geriatria para tratamento.          

Sem saber, o Sr. B. buscou o diagnóstico precoce para a alteração de memória de sua esposa.

Sabe-se que nos casos de doença degenerativa, como é o caso da doença de Alzheimer, o diagnóstico deve ser realizado primeiro para eliminar outras causas tratáveis ao comprometimento da memória, como déficit de vitamina B12, hipotireoidismo, entre outras causas.

Atualmente está confirmado que a demência por doença de Alzheimer pode ter uma fase pré-clínica, que começa de 15 a 20 anos antes dos primeiros sintomas de queixa de memória, seguida de uma fase conhecida como comprometimento cognitivo leve. Outras manifestações como alterações de comportamento também serve para se pensar na doença, entre estas as mais comuns são a ansiedade, depressão, desinibição e delírio. Logo, o diagnóstico diferencial e precoce é de suma importância, como assinalam Gil e Busse (2013).          

Mesmo sem seus olhos físicos ele passou a controlar seus agendamentos, medicações e exames, após o diagnóstico de Alzheimer. E com os olhos da alma ele a amou e a protegeu até os últimos dias de sua vida quando a mesma foi acometida por um tumor que a levou.          

O amor neste caso se mostrou um poderoso tratamento a favor da demência; doença esta que degenera o cérebro e ainda não tem cura. Acomete pessoas na faixa etária dos 60 anos e apresenta progressão exponencial e diretamente relacionada com o avanço da idade. As lesões neuronais no âmbito do córtex cerebral produzem déficit de memória e, por consequência, comprometem o pensamento, a atenção e/ou outras funções cerebrais, segundo Gil e Busse. Em decorrência, surge um sujeito para muitos familiares desconhecidos, pois fala e age como se não fosse mais a mesma pessoa.          

Para o marido Sr. B. o amor pela esposa transformou-o num exímio e virtuoso cuidador, mesmo com sua esposa não mais o reconhecendo.          

Essa voluntária, R. foi uma guerreira, humana, mãe, mulher e cuidadora. Foi para seu grande amor seus olhos e ele foi para ela sua motivação regada de muito carinho, compreensão e principalmente sensibilidade. Creio que o que fica gravado na memória é a imagem da doce mulher pelo qual se encantou e foi encantada pelo amor.

Referências:

Gil G. e Busse A.L. (2013). Ensinar a lembrar: guia prático para ajudar a reconhecer e melhorar problemas de memória. São Paulo: Casa Leitura Médica.  

(*) Regina Reis é voluntária da AVOCH e secretária da Clínica Cuidar de Você e Gislaine Gil é neuropsicóloga pelo IPq do HC da FM da USP e Mestre em Gerontologia pela PUC-SP. Coordenadora do Vigilantes da memória: www.vigilantesdamemoria.com.br

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